Os ataques dos Medíocres
A incapacidade para criar e apreciar a excelência, ou seja, a mediocridade, é necessária para a estabilidade social: um mundo de gênios seria ingovernável.
Todavia, possui também uma vertente maligna que procura destruir qualquer indivíduo que se destaque.
Quando surge um verdadeiro gênio no mundo, podemos reconhecê-lo pelo seguinte sinal: todos os medíocres conspiram contra ele.
(…) Cada uma se rege pelas suas próprias leis e ambas são necessárias: uma promove o progresso, a outra assegura a estabilidade social.
Aspirar a ultrapassar-se a si próprio, quer através da própria criatividade, quer apoiando e admirando indivíduos notáveis, constitui uma qualidade intrínseca de um ser humano são.
Sem essa tendência natural, não desejaríamos ser melhores como pessoas, nem aprender bem um ofício; não existiria progresso ou desenvolvimento, nem nada de novo à face da Terra. Viveríamos em cavernas.
O valor oposto, a mediocridade, não é tão indesejável como pode parecer à primeira vista. De facto, desempenha uma função como parte de uma estratégia altamente evolutiva: proporciona o contraponto de estabilidade ao factor de mudança introduzido pelos génios (pensadores, artistas, inventores, investigadores…), que são, por definição, inovadores.
Se todos fôssemos criadores geniais, o mundo seria um caos. Ninguém iria querer trabalhar nas fábricas, distribuir correio, lavar pratos nos restaurantes.
No entanto, há uma variante de mediocridade maligna que tem como único objectivo prejudicar o talento alheio e quem se destaca pelos seus méritos.
Luís de Rivera, catedrático espanhol de psiquiatria, define a mediocridade como a incapacidade para valorizar, apreciar ou admirar a excelência, e distingue três graus.
A mediocridade comum é a forma mais simples e inócua. Os seus sintomas são a hiper-adaptação, a falta de originalidade e uma normalidade tão absoluta que poderia ser considerada patológica: a chamada “normopatia”. Os que a manifestam não têm ponta de criatividade e não sabem distinguir a excelência, mas respeitam as indicações que lhes dão e são consumidores bons e obedientes. O conformismo permite que se sintam razoavelmente felizes.
O segundo tipo, a mediocridade pseudocriativa, acrescenta à anterior uma tendência pretensiosa para imitar os processos criativos normais. Enquanto o medíocre comum não se esforça para além do mínimo exigível, o pseudocriativo sente necessidade de aparentar e ostentar poder.
A imagem é tudo para ele, mas, como não distingue o belo do feio, o bom do mau, não mostra inclinação para favorecer progressos de qualquer tipo e incentiva as manobras repetitivas e imitativas.
Aqueles que se enquadram na síndrome da mediocridade inoperante activa (MIA) formam o terceiro grupo. Trata-se do mais prejudicial e agressivo, pelo que encaixa no perfil da maioria dos praticantes de assédio.
Enquanto as categorias anteriores são simplesmente incapazes de reconhecer o génio, os MIA também se propõem destruí-lo por todos os meios ao seu alcance.
O indivíduo afectado por esta síndrome desenvolve uma grande actividade que não é criativa nem produtiva, e possui um enorme desejo de notoriedade e influência.
Por isso, tende a infiltrar-se em organizações complexas, nomeadamente as que já se encontram minadas por formas menores de mediocridade, com o objectivo de entorpecer ou aniquilar o progresso dos indivíduos brilhantes.
Conspiração de néscios
Foi o espírito MIA que esteve por detrás da morte do filósofo grego Sócrates, dos crimes da Inquisição, da perseguição das elites intelectuais pelas ditaduras, do exílio de Freud e de Einstein e de incontáveis outros judeus, da queima de livros, da marginalização e absoluta pobreza em que morreram tantos artistas, da censura, do assédio e do abandono que vitimaram personalidades notáveis de todas as épocas e cantos do mundo.
Se o ser humano, como defendia o psicólogo norte-americano Abraham Maslow, tem inclinação para a excelência por natureza, então é preciso analisar o papel desempenhado pela cultura e pela educação.
“Será possível que estejamos condicionados por uma espécie de selecção cultural que nos condena à imbecilidade?”, questiona o escritor italiano Pino Aprile no seu livro Elogio do Imbecil. Conclui que sim e que existe uma razão para todos os sistemas sociais advogarem a mediania:
“A inteligência é como a areia que se introduz nas engrenagens: pode obstruir os mecanismos.” O génio é subversivo, não apenas por discutir a norma em vez de a aplicar, mas também por bloquear, através da sua actuação, o percurso habitual de qualquer sistema burocrático.
Por isso, segundo o autor, “o poder de uma organização social humana será tanto maior quanto maior for a quantidade de inteligência que conseguiu destruir”.
Há sistemas políticos que o fazem de uma forma mais óbvia do que outros. No Camboja de Pol Pot, os khmers vermelhos matavam qualquer indivíduo que não tivesse calos nas mãos, sinal de que poderia ser um intelectual e pensar pela própria cabeça.
Outras culturas gabam-se de fomentar o individualismo e a meritocracia, mito que os Estados Unidos, por exemplo, sempre procuraram vender. Era também o ideal do liberalismo inglês do século XIX: se uma única pessoa quiser empreender algo diferente do que fazem os restantes mortais, tem o mesmo direito de escolher o caminho do que o conjunto maioritário, dizia o filósofo inglês John Stuart Mill, na obra Sobre a Liberdade.
O mais frequente é que a imposição da mediocridade e a perseguição da excelência continuem a ser exercidas de forma insidiosa e subtil nas sociedades democráticas, e isso desde a mais tenra infância. O indivíduo medíocre representa uma jóia para o sistema, pois é o consumidor ideal, fácil de manipular, e não questiona a autoridade nem as normas.
Talvez por esse motivo, o modelo educativo dominante não se dá geralmente ao trabalho de fomentar a excelência, a criatividade ou a iniciativa.
As crianças usam o mesmo uniforme, preenchem as mesmas fichas e quase não tomam apontamentos; acompanham a lição num livro, igual para todos. Não interessa se uma delas é óptima a matemática e odeia línguas, ou se tem talento para desenhar mas não se interessa por álgebra.
Têm todas de fazer o mesmo: adaptar-se sem se destacar demasiado, não causar conflitos. O que se espera delas é que sejam “normais”.
Os normais e os outros
A mediocridade e o seu oposto, a excelência, surgem ligadas a uma série de características contraditórias: a primeira costuma ter por aliados a inveja, a imitação, o conformismo, a adaptação, a tradição, a inércia e a rotina; a segunda é amiga da admiração, da criatividade, do inconformismo, da rebeldia, da inovação, da curiosidade e da iniciativa. Outros sete associados de uma e outra:
Instinto de sobrevivência – A prioridade do medíocre é sobreviver, custe o que custar. Mais vale ser parvo do que morto, como dizia o escritor escocês Robert-Louis Stevenson. É o oposto do instinto de suplantar, que procura alargar os horizontes, mesmo que se tenha de arriscar a vida. Será que Colombo pensava no risco que corria ao atravessar o oceano na sua frágil embarcação?
Terror do infinito – O medíocre não só não consegue imaginar o infinito, como sente naúseas só de pensar nisso. Em contrapartida, o excelente acolhe a espiritualidade e procura um sentido para a vida.
Egoísmo – Ao “salve-se quem puder” opõe-se o altruísmo do indivíduo excelente, que dá prioridade à ideia do progresso e ao bem da humanidade.
Normopatia – O medíocre receia e detesta sair dos carris, ser diferente. O excelente encoraja o individualismo para desenvolver as suas qualidades inatas.
Comodismo – Como se está bem no sofá a ver televisão! O oposto é o apelo da aventura: vou ficar na modorra quando há tanto por descobrir?
Materialismo – Ao “sou o que tenho” do medíocre contrapõe-se o idealismo, motor do génio.
Semear a discórdia
Eis como agem, em diferentes esferas sociais, os indivíduos com síndrome de mediocridade inoperante activa:
Na escola – As crianças agressivas que praticam o bullying ou assédio escolar costumam ser as mais ignorantes e menos aptas intelectualmente. Por sua vez, os professores medíocres esforçam-se por ridicularizar e destruir qualquer lampejo de genialidade entre os seus alunos.
No trabalho – Os responsáveis por mobbing ou assédio moral no trabalho (em Portugal, a Autoridade para as Condições do Trabalho recebeu 913 queixas entre 2005 e 2008, mas há milhares de casos responsáveis por muitas baixas laborais) são, geralmente, individíduos afectados pela síndrome MIA.
No casal – Muitos agressores psicológicos que exercem violência de género são indivíduos medíocres e inseguros que se sentem ameaçados pelo que interpretam como uma superioridade do outro.
Na família – A “ovelha negra” é, muitas vezes, a única pessoa que tenta pensar por si própria e empreender um caminho diferente do esperado. Se um membro do clã manifestar a síndrome MIA, irá tornar-lhe a vida impossível.
Na religião – A Inquisição eliminou todos os génios que conseguiu encontrar. Muitas igrejas são, ainda hoje, dirigidas por uma elite de medíocres com poder que não entende os ensinamentos do seu fundador e as corrompe para justificar a perseguição dos infiéis.
Na política – O que se passa quando um líder faz bem o seu trabalho, pretende mudar o mundo e começa a falar de justiça e liberdade? A síndrome MIA entra em acção para destruí-lo, como aconteceu com Gandhi ou Martin Luther King. E no caso de ser o político a manifestar a síndrome? Hitler foi um bom exemplo.
Na arte – A excelência desperta o ódio virulento dos artistas medíocres que não conseguem alcançá-la. Salieri, por exemplo, pode ser considerado uma vítima da síndrome, pois vivia obcecado pelo génio de Mozart, apesar de ele próprio ter deixado uma obra que não desmerece.
Na ciência – De cada vez que um sábio descobre algo que contradiz o pensamento vigente, a elite científica dominante cai-lhe em cima. Galileu esteve prestes a arder por afirmar que a Terra se movia. Hoje, mesmo sem fogueiras, as coisas não são muito diferentes.
Na universidade – Tristemente, como disse um filósofo, “intervém ali a inveja dos medíocres e o jogo sujo dos mafiosos; a inveja e a corrupção são duas doenças que causam muitos danos na vida académica ou universitária”. O famoso governo dos sábios, na sua própria casa, não é imune à mediocracia.