Pessoa Humana
A compreensão do Homem como Pessoa Humana constitui-se em enorme avanço. O mundo pagão não registra a ideia de pessoa, como oponível, em todos os sentidos, a coisa . Um ser é uma Pessoa Humana quando é capaz de ter discernimento sobre si, sentindo-se responsável pelo que faz e compreendendo que há radical diferença entre o que faz e os efeitos da ação de uma força mecânica ou da ação instintiva de animais.
Dotada de razão, de consciência de si, de natural abertura ao mundo, aos homens e a Deus, de capacidade para distinguir o falso do verdadeiro, o bem do mal, em si e fora de si (consciência moral), a pessoa participa, necessariamente, do concerto intelectual e moral da humanidade.
Assim, todos os valores do Homem gravitam forçosamente em torno da Pessoa Humana — dimensão definidora da dignidade do Homem e da sociedade humana — de tal sorte que a própria ideia-valor da igualdade fundamental de todos os homens deriva da aceitação de que todos nascem iguais, dotados de uma mesma dignidade de Pessoa Humana, sagrada e inviolável, na medida em que compartilham de um mesmo patrimônio moral e espiritual.
Segundo a concepção cristã, majoritária em nossa cultura, é o ser espiritual que faz da pessoa uma realidade sacra, intocável, já destinada desde o primeiro instante de sua existência a uma duração eterna. A Pessoa é, assim, um valor absoluto, uma realidade intrinsecamente não manipulável, intimamente livre e soberana, que não pode sofrer constrangimentos ou qualquer violência, da política ou da tecnologia, do Estado, dos partidos ou da religião.
Aos poucos, a questão vai-se deslocando do plano filosófico para o plano sociocultural, onde aparece o lado sociológico e funcional da Pessoa: a personalidade.
Trata-se do produto cultural mais completo, resultante do processo de socialização, que é exercitado por todos os agentes e todas as agências sociais permanentemente, notadamente, é claro, a família e as organizações da instituição educacional. Enquanto a contribuição da educação é bastante conhecida, a da família nem sempre é revelada na
inteireza de sua dimensão.
O trabalho básico de aquisição e de desenvolvimento dos valores por um indivíduo — construção da personalidade — sempre iniciado em fase de baixa idade, requer meio essencial de transferência, quer dizer, veículo afetivo, de características muito especiais, só conhecido, na forma adequada e suficiente, no seio da família. A sociedade de homens livres depende de personalidades afirmativas, capazes de escolhas morais emocionalmente sustentadas — e por isso coerentes consigo mesmas (no tempo e no espaço), e para isto ser alcançado é indispensável a existência e a atuação eficaz da família por longo período da vida.
Há razões claramente funcionais que militam a favor da criação de personalidades livres, ativas e cooperativas. Tanto dependem as personalidades do processo sociocultural de sua formação, como depende este das mesmas personalidades para a sua produção e continuidade.
A incapacidade dos processos socioculturais para produzir personalidades livres, sadias, cooperativas, construtivas — verdadeiras pessoas — pode levar a sério comprometimento à manutenção dos valores e a transformação de tais valores em ação. Um desajuste de grandes proporções pode inviabilizar a sociedade, a não ser quando decorre de transtornos políticos transitórios, como se dá nas revoluções.
Fonte: ESG