contador free
ci@canaldeinteligencia.com

Se um astronauta mata outro no espaço…

Se um astronauta mata outro no espaço, ele pode ser julgado?

Legislação espacial imprecisa

Na pior das hipóteses, é possível até imaginar que Kelly e Kornienko algum dia poderão tentar se esganar.

 Se algum dia a situação realmente viesse a degringolar e um dos dois morresse, quais seriam as consequências jurídicas?

Segundo  os acordos que regulam a vida da ISS, as nações-membros deverão estender sua jurisdição aos módulos da estação que financiaram.

Isso vale para as patentes de descobertas científicas e, portanto, teoricamente também para um crime. Por exemplo, se Kelly assassinasse Kornienko com uma enxada dentro do laboratório Kibo, construído pelo Japão, Kelly teria de ser julgado no Japão.

Sobre quais bases eles podem se apoiar? Durante as primeiras horas da conquista espacial… o espaço permaneceu como uma pura zona sem lei.

Em 1959, as Nações Unidas criaram o Comitê para a Utilização Pacífica do Espaço Sideral (Copuos, na sigla em inglês), que fundou as bases de uma ampla declaração adotada em assembleia geral em 1963, desdobrada ao longo da década em cinco tratados internacionais, que hoje formam uma espécie de imprecisa legislação do espaço.

Esses textos, amplamente ratificados, preconizam o uso pacífico do espaço, da Lua e de outros corpos celestes, considerados um legado comum.

Eles proclamam a liberdade de exploração e determinam que seja salvo um astronauta em dificuldades, como um marinheiro.

Cada Estado deve assumir a responsabilidade legal dos objetos que eles tenham lançado, e foi criado um registro internacional para cadastrar esses objetos, cuja responsabilidade cabe à Unoosa.

Mas os Estados Unidos e a Rússia têm seus próprios programas de monitoramento espacial, que eles consideram estratégicos.

Desde então, não surgiu nada para regular as questões mais fundamentais, como armas, satélites espiões e poluição da Terra (em 1978, um satélite russo espalhou seu plutônio sobre o Canadá).

Alguns países dão o exemplo adotando legislações nacionais para reduzir seu “impacto ambiental”, como fez a França, em 2008. Mas a governança internacional continua sendo uma utopia.

Nem os norte-americanos nem os russos, principais potências espaciais, querem negociar restrições a suas atividades.

(…) No dia 4 de março, o astronauta norte-americano Scott Kelly e o cosmonauta russo Mikhail Kornienko chegaram à Estação Espacial Internacional (ISS)…

Eles passarão um ano sem gravidade, o mais longo voo já efetuado, e servirão de cobaia para suas respectivas agências para avaliar os efeitos que poderão surgir, algum dia, em longos voos de exploração espacial confiados não a robôs, mas a seres humanos.

Esses efeitos já são em parte conhecidos. Sem gravidade, os dois não terão mais de se sentar. A pélvis deles perderá suas bolsas sinoviais, que protegem as articulações dos quadris contra diversos choques ligados à gravidade, mas que se tornam obsoletas no espaço.

Eles urinarão uma grande parte das reservas de sangue que são armazenadas em suas pernas em terra, mas que sobem para o centro de seus corpos na estação espacial.

Mas, acima de tudo, psicólogos acompanharão com atenção a evolução do humor de Kelly e Kornienko, como a reação deles ao estresse de baixa intensidade permanente que envolve uma estadia no espaço, em confinamento, em barulho quase constante…

Na pior das hipóteses, é possível até imaginar que Kelly e Kornienko algum dia poderão tentar se esganar.

Se algum dia a situação realmente viesse a degringolar e um dos dois morresse, quais seriam as consequências jurídicas?

Segundo os acordos que regulam a vida da ISS, as nações-membros deverão estender sua jurisdição aos módulos da estação que financiaram.

Isso vale para as patentes de descobertas científicas e, portanto, teoricamente também para um crime. Por exemplo, se Kelly assassinasse Kornienko com uma enxada dentro do laboratório Kibo, construído pelo Japão, Kelly teria de ser julgado no Japão.

E será que os Estados Unidos abandonariam seu astronauta nas mãos de juízes japoneses? Provavelmente não. Seus advogados certamente buscariam um precedente aos processos abertos contra soldados ou mercenários contratados pelo Exército norte-americano no exterior.

Como, por exemplo, o emblemático julgamento de quatro ex-funcionários da Blackwater responsáveis por um massacre em Bagdá, em 2007, que foi realizado em Washington.

Contudo, o Exército norte-americano se beneficiava então de um acordo de imunidade para seus soldados e contratados, assinado com o governo iraquiano.

Esse acordo especificava que seus soldados estavam sujeitos à lei norte-americana em solo iraquiano. A recusa do ex-premiê Nouri al-Maliki em manter esse acordo acelerou a saída das tropas norte-americanas do país em 2011. Enfim, havia um acordo.

No espaço, isso praticamente não existe. Ou seja, a relação de forças ainda prevalece muito sobre a lei.

Fonte: http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/le-monde/2015/04/24/se-um-astronauta-mata-outro-no-espaco-ele-pode-ser-julgado.htm